segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Concerto de João Gilberto no Cine-Theatro Central

 No dia 14 de novembro de 1996, eu, que tinha me mudado para Juiz de Fora há seis anos, tive a honra de com quinze anos de idade assistir a dois grandes eventos em um, que me ajudariam para sempre no meu percurso entre a música e a literatura. Nessa data, finalmente seria reinaugurado o maravilhoso Cine-Theatro Central, que já conhecia antes da restauração em plena decadência. Não bastando, a atração da grande noite seria ninguém mais ninguém menos do que João Gilberto, acompanhado apenas por seu violão. Nessa altura da vida, o violão já era o mais fiel escudeiro nos meus sonhos quixotescos e João, para mim, representava a mais alta patente da música popular brasileira. A mais justa adequação entre voz e violão, no melhor repertório, na melhor interpretação.
Inacreditável, ele estaria lá, e o nosso teatro, devidamente restaurado, também estaria lá pronto para recebê-lo. Mais um dado me vem à memória e, dada a impossibilidade de se acompanhar até mesmo os espetáculos mais mesquinhos que se passam atualmente no nosso teatro por conta do valor dos ingressos, não resisto de vontade de contar: 10 reais, preço único.

Os camarotes ficariam para a realeza, composta basicamente por tucanos que dominavam o cenário político atual, no âmbito municipal, com Custódio Mattos, e federal, com Itamar Franco e o tucano Fernando Henrique Cardoso que ocupara o ministério da fazenda em 1994, quando obteve enorme sucesso com o lançamento do Plano Real que estabilizou a economia brasileira afastando qualquer risco de super-inflação a qual já nos acostumávamos. Claro, nem só tucanos, basicamente a alta burguesia da cidade - que mais do que definida, mantém-se pragmática - o que se prova facilmente com as conquistas posteriores da oposição - ocupava os camarotes do teatro.
Muito bem, dia 14 às 20 horas estaríamos todos lá para presenciar um show de João Gilberto na província, que como já dissemos, se metia a besta, com um cidadão ocupando o mais alto cargo do executivo. Muitos pensaram que João Gilberto se atrasaria, tocaria pouco tempo, enfim, que faria um concerto bem burocrático. Parece-me que o plano da burguesia, dado o horário do show, era o de deixar para jantar depois do show. Ouviriam umas bossas novas e depois jantariam, provavelmente no extinto Faisão Dourado.
 Entra João Gilberto, já velhinho, com seu terno e seu violão eterno. E eu não pude deixar de me emocionar. Sonhara por anos pela restauração do teatro, e nesses sonhos contentava-me com concertos bem mais modestos. Porém, acontecia naquele momento, aquilo que ninguém esperava, o arredio João Gilberto que não tocava a bastante tempo no Brasil veio para fazer um show na reinauguração de um teatro de Juiz de Fora. Dezenas e dezenas de canções que João, na maestria que lhe é peculiar reinventava pari passo . Tudo virava bossa nova em suas mãos, sempre nova, cada vez mais nova, tão novas que fugiam eternamente dos corinhos da plateia que nas canções mais famosas, teimavam em tentar se ajustar a voz de João e a desrespeitar o silêncio necessário para ouvi-lo , condição sine qua non para que ele possa tocar e cantar.

Quando as luzes se apagaram e a campainha soou por três vezes, enquanto ainda me assustava com a luz da máscara de olhos vermelhos, o silêncio existiu. Quando o show iria começar eu tive receio até de respirar, tamanha era a ausência de qualquer ruído. Depois veio João e a sua música em perene harmonia com o silêncio ao qual João lhe apresentava uma alternativa literomusical brasileira acachapante. Afora os incomodos, é sempre difícil relatar um sonho. Pra relatar o sublime, só a poesia.
João tocou tudo. Do seu repertório, poucas as canções que não foram recriadas. Algumas pareciam-me inéditas em shows como No Rancho Fundo de Lamartine Babo e Ary Barroso, que conhecia apenas pela interpretação de Chitãozinho e Xororó: manhosa e tão esquisita para os meus ouvidos . João ensinou a todos a música que havia por detrás da interpretação neo-sertaneja e foi de matar de tão bonita. Eu e outros músicos, aturdidos, tentávamos acompanhar as harmonias super requintadas, mas era quase impossível. Meus colegas de Scala arriscavam que João a cada volta que a música dava, inventava uma nova harmonia para a canção, daí a impossibilidade de se acompanhar a sequência de acordes. Mas a verdade óbvia estava no fato de entender que o que se trabalha em anos, jamais será apreendido num momento. Entendido isso, só me restava ouvir, aquilo tudo que eu tanto precisava escutar. Quase levitava.

Quando a música era mais famosa, a minha vizinha de banco, conseguia me trazer pra terra e me puxava pro inferno com sua voz aguda. Mas conseguia aproveitar bem o momento e levitei por diversas vezes. O show se extendia de um jeito que nem o mais otimista dos ouvintes poderia imaginar. 

Contudo, as máscaras que serviam bem até a primeira hora de show, começaram a cair. Muitos estavam ali pelo evento, muito mais do que para ouvir João Gilberto, e uma hora de silêncio, aliada a uma hora da música silenciosa foi fatal para aqueles que prefeririam uma audição desatenta e festiva a um concerto de pura concentração e envolvimento do músico e do público. Como não podia deixar de ser: primeiro os camarotes esvaziaram. No salão principal, pessoas pareciam esconder seus rostos e saiam à francesa, para mim um alívio - a cantora ao meu lado saíu com eles. Minha única preocupação era com o João, será que ele se importaria com o abandono dessas pessoas?

Que nada, aí é que parece que ele gostou ainda mais, tocou mais uma hora e meia, fez o bis mais longo que eu já ví em toda a minha vida, sempre em altíssimo nível. A música em harmonia equiparava-se ao silêncio. Estava bom estar ali. O tempo todo do mundo para o encontro de Juiz de Fora com João Gilberto que provavelmente seria único. E eu estava alí. E não era indiferente para João tocar na nossa cidade. Muito simpático e generoso ele parecia gostar muito de estar aqui tocando para a gente. Ainda nos presenteou com uma interpretação inédita e que só ouvi nessa ocasião (apesar de procurar por toda a internet) da canção de um Juiz Forano que apesar de ter escrito o hino mais popular de Minas Gerais: "Oh! Minas gerais...quem te conhece não esquece jamais...Oh Minas Gerais", passava dificuldades no Bairro Santo Antônio. João estava sensacional. 

Por fim, tocou uma última que resumia o seu estado de graça: "só vou me embora quando o dia clarear, eu sou do samba pois o samba me criou...". 

domingo, 26 de julho de 2020

Durú e Chadas - Tempo de Sonhar

As notícias foram chegando até a mim: havia um casal de turcos muito simpáticos tocando jazz e choro no Calçadão. Meus parceiros d'O Banco estavam todos encantados, de semana em semana mais um deles os conheciam. Um dia chegou a minha vez.

Depois de uma noite em claro, em que tudo parecia assustadoramente estranho, voltava para casa depois de uma farra sem sentido algum e bateu aquela angústia que me fez evitar a cama. Resolvi, voltar pra rua, e pelo telefone chamei um amigo que estava comigo na mesma noite e também não devia estar dormindo. Bingo! Estava ele acordado e perdido no centro da cidade. Marcamos de nos encontrar.

Andamos pelas ruas da cidade que amanhecia cheia de fôlego. Enquanto isso, as cores do nosso crepúsculo nos iluminavam. Sábado, o centro da cidade de Juiz de Fora em festa, e nós flanando: no direction home.

Primeiro, o choro da clarineta, depois, as cordas do violão, e nós, que caminhávamos sem direção, fomos guiados por aquele som maravilhoso. Sentados na porta de um banco fechado, os nossos futuros amigos Chadas e Durú tocavam no calçadão músicas turcas, choros e standards do jazz com um amor tão grande que nos maravilhou de imediato. Sentamo-nos vizinhos a eles, e nos deixamos levar por seus caminhos musicais. Dissipava-se aquilo tudo que me atordoava. A música me consolava e indicava novos caminhos. O amável casal, com seu discurso melódico, questionava o meu ser inteiro, enquanto que eu, covicto, resolvia me entregar por inteiro a eles.

Enquanto tocavam, vendiam o CD Hora de Sonhar que conseguiram gravar no Rio. O título do disco, aliado à música que faziam, alargavam meus horizontes e transformavam o crepúsculo em alvorada. Era tempo de sonhar, ainda mais nesse momento, que tínhamos mais dois novos amigos, diferentes de todos os outros. Jovens músicos andarilhos muito especiais.

Quisera o destino trazer da turquia esses dois jovens para a América Latina, fazendo-os conhecer a Bolívia e a Argentina, sempre tocando pelas ruas. Quisera o destino lhes apresentar o choro e a música brasileira, num caminho que os levaria a Egberto Gismonti e a Hermeto Paschoal, e que tornaria o Brasil um destino certo. 

Vieram para São Paulo, pequeninos na cidade imensa, partiram para o Rio. Ainda pequeninos, buscaram outras esquinas em cidades mais acolhedoras. No Rio, contudo, conseguiram, gravar um CD, levados ao estúdio, numa coincidência incrível, pelo pai do flautista da nossa banda, que lhes aconselhou Ibitipoca.

Foram eles para Minas Gerais, onde fincaram suas raízes. Lima Duarte, Ibitipoca, não mais pequeninos, encantavam os mineiros e faziam novas amizades. Vieram para Juiz de Fora e estavam no calçadão, naquele dia de sábado, quando suas músicas vieram me acalmar.

https://drive.google.com/uc?export=view&id=1_VLhLEDgNCSFHOz4jp6blWOKZ_eoP4U6

sexta-feira, 17 de abril de 2020

40 anos de Acabou Chorare no Cultural Bar

Juiz de Fora foi brindada com um grande show! Comemorando os 40 anos do antológico disco de 1972 Acabou Chorare, Moraes Moreira, Davi Moraes e banda subiram ao palco do Cultural Bar e mostraram aos juiz-foranos o que é um showzaço. 

Há tempos não se via em Juiz de Fora algo parecido. Infelizmente, ainda tem artista que quando vem a Juiz de Fora pega leve e traz a cidade um aperitivo, não o show que dão em São Paulo ou no Rio. Recentemente, a revelação Tulipa Ruiz ficou devendo. Lembro-me também de ter visto o Mundo Livre fazer aqui um show bem inferior ao que eu assistira no Rio duas semanas antes. 
 
Ontem não foi assim. Juiz de Fora teve tudo que tem direito. A princesinha de Minas que sofre com a mesmice das bandas locais e o predomínio das bandas couvers, pode enfim dançar e cantar extasiada com um show verdadeiramente histórico. Não é pra menos...
 
Em noite inspirada Davi Moraes mostrou ser o grande herdeiro da musicalidade dos Novos Baianos. Tocando como um Deus, Davi, sob o olhares do pai coruja, virou mito no Cultural. Quem além de Davi tem moral pra subir num palco brasileiro com uma camisa da seleção argentina e ir conquistando um por um todos os presentes? Bastou seu sorriso largo e uma guitarra envenenada. Moraes, como toda a banda, também estava ótimo. Sorridente, cantou, recitou e embalou uma plateia eufórica.
 
Lá pelas tantas, depois da instrumental Um bilhete pra Didi, em que Davi, mais uma vez, arrasou, Moraes voltou ao palco e não se conteve: - "queria ter um filho assim!. Um iluminado da plateia gritou logo em seguida: "eu é que queria ter um pai assim". Davi, por sua vez, sorriu, olhou pro pai e disse: " foda mesmo é ter um pai assim". Momento mais lindo de um show inteiramente excelente.
 
Depois de tocarem integralmente todas as canções de Acabou Chorare, ainda fomos brindados com uma versão instrumental do clássico Maracatu Atômico de Mautner e Jacobina que voltou a baila com Chico Science e a Nação Zumbi . O percussionista Repolho empunhando uma alfaia e o grande baterista Cesinha fizeram o chão tremer. Davi, sempre ele, desceu do palco e no meio do público enlouquecido solou a melodia dessa grande canção.
 
Depois, com o público enfeitiçado, ainda vieram os frevos pós-novos baianos de Moraes Moreira que carnavalizaram e fizeram dançar até mesmo os mais rockeiros.
 
E assim foi feito. Pode sorrir Juiz de Fora: acabou chorare!



quinta-feira, 16 de abril de 2020

A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E TEMPO, NA MÚSICA, À LUZ DA FILOSOFIA

A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E TEMPO, NA MÚSICA, À LUZ DA FILOSOFIA

Pedro Bustamante Teixeira, Ana Laura Furtado Pacheco

RESUMO


O presente artigo investiga a relação do homem com o tempo, na música, mediante as leituras das canções “Resposta ao tempo” (Aldir Blanc e Cristóvão Bastos), “Oração ao Tempo” (Caetano Veloso) e “Sobre o Tempo” (John Ulhoa). Esta pesquisa acerca do vínculo entre homem e tempo, realizada conforme princípios filosóficos, explora as instâncias: aporia, dom e elipse. Tal abordagem foi desenvolvida através do método hipotético-dedutivo, uma vez que houve a colocação de um problema, a formulação de uma hipótese como resposta ao mesmo, e a elaboração de uma conclusão. O objetivo deste trabalho é averiguar quais são os sentimentos que o ser humano nutre pelo tempo e qual o papel que este desempenha em sua vida. O embasamento teórico para o  desenvolvimento foi constituído de acordo com conceitos apresentados nas obras dos filósofos Jacques Derrida e Jean François Lyotard, além da aproximação entre literatura e filosofia (NANCY, 2013), presente no seminário Pensamento Intruso, realizado por Jean Luc Nancy. Após o estudo das três canções que compõem o corpus analítico, conclui-se que a conexão entre homem e tempo é passível de ser realizada de diferentes formas, de acordo com a fase da vida experienciada pelo sujeito lírico de cada canção.

TEXTO COMPLETO:


https://periodicos.unemat.br/index.php/alere/article/view/4473/3529

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Caetano Veloso & Ivan Sacerdote - efêmera flor

Escuto agora o novo disco de Caetano. Neste, voltamos a crueza do violão e da voz de Caetano, tão cristalinos em dois grandes álbuns lançados neste formato nos anos 80: Totalmente Demais e Caetano Veloso  (1986) e que agora, efêmera flor, se faz mais rouca, mais fosca, de outra beleza. Com a sutileza e o talento de  Ivan Sacerdote, fica tudo muito bonito.

Fiquei ouvindo, olhando a capa, e era como se a foto ganhasse movimento. Que capa linda. Parece uma daquelas capas americanas de grandes discos de jazz. Faz lembrar também, é claro, do disco de João Gilberto com Stan Getz. Mas dessa vez não há espaço para o triunfo do instrumento sobre o músico, que por sua vez também significava o triunfo do Jazz sobre a Bossa Nova, o triunfo da improvisação sobre o esmero melódico. O triunfo forçado pelo apelo da improvisação e pela sobreposição do volume do sax de Getz à voz diminuta de João.

Neste disco o papo é outro. Não é briga, é conversa. Não se briga para ver quem é o sujeito da ação. A voz, como de praxe na canção, é quem faz a guia. O violão é quem dá o ritmo e a harmonia. O clarinete de Ivan, brilhante e respeitoso, majestoso, adorna sem afetar o núcleo duro da soberana canção.

É uma boa notícia do ano de 2020. Mais um pontinho de luz a piscar nestas trevas. Como o que vem de Petra. Boto fé que esses pequenos e vagos lumes ainda vão iluminar as mentes enclausuradas nas cidades.

domingo, 1 de setembro de 2019

100 CONSERTO CLARICE (parte 1)

No Brasil, desde Lispector, Clarice é também adjetivo. Clarice Falcão, duplo adjetivo: um nome. Uma assinatura. Roberto Correa dos Santos já nos ensinou a diferença entre o artista e o especialista. Clarice Falcão não é uma especialista. Artista, tem uma assinatura. Sua vida é já representação de seu mundo. Como canta em seu primeiro disco: 

Se não fossem os ais
E não fosse a dor
E essa mania de lembrar de tudo feito um gravador
Se não fosse Deus bancando o escritor

Se não fosse o Mickey e as terças-feiras
E os ursos panda e o andar de cima
Da primeira casa em que eu morei
E dava para chegar no morro só pela varanda

Se não fosse a fome e essas crianças
E esse cachorro e o Sancho Pança
Se não fosse o Koni e o Capitão Gancho
Eu não seria eu

Um mundo em constante transformação. Da mais tenra idade à maturação. Em rotação, em translação, sobrevoando a gravidade de uma mania em uma coisa só: monomania. Monomania é o nome de seu primeiro disco. Desde então, Clarice que já era reconhecida pelas suas participações no canal do Youtube Porta dos Fundos tornou-se um dos nomes mais interessantes da Nova MPB. Com um estilo singular de lidar com a palavra, a mais bem acabada expressão "millenial" na canção, Clarice enfileira hits, sem se repetir. 

A fórmula vencedora de Monogamia não mais serviria para o segundo disco, muito menos para o terceiro que encerra uma trilogia. Da monogania à promessa da cura: tem conserto. Teria conserto a monogania? Irá Clarice transcender à monogamia. Ainda não, mas está a caminho. E no mais, o que importa é que essa artista se deu ao mundo com o que veio, a monogamia, e continua se dando, ainda que, agora, contra-corrente. 

Em tempos igualmente duros, Vinicius já vaticinara: “porque a vida só se dá pra quem se deu” e Clarice em seu terceiro disco não poderia ser mais explícita: “hoje eu vou dar”. E se dá, e quando o artista se dá, o que se tem diante é um objeto-sim, não importa o que venha a tratar. É terapêutico, é pedagógico, é transformador. 







quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Samba al sugo? A presença da canção italiana na canção popular brasileira


PROPP - Pesquisa

 


Título do Projeto
Samba al sugo? A presença da canção italiana na canção popular brasileira
Coordenador do Projeto:
Prof. Dr. Pedro Bustamante Teixeira

Equipe:
Prof. Dr. Alexandre Graça faria
Profa. Dra. Márcia Almeida


1. Justificativa/Caracterização do Problema
O presente projeto vincula-se a uma pesquisa ampla sobre o estudo da canção no Brasil, desenvolvida pelo proponente desde a especialização, com o estudo de uma nova perspectiva para a leitura da canção; passando pelo mestrado, onde se apresentou, com exemplos de leituras de canções emblemáticas, um caminho que vai do samba à bossa nova ( TEIXEIRA, 2015); até o doutorado, com o estudo da obra de Caetano Veloso entre os anos de 2006 e 2013 ( TEIXEIRA, 2017), e pretende agora investigar a contribuição da canção italiana, a partir da perspectiva da presença ( GUMBRECHT, 2010) na canção popular brasileira.
Ainda hoje o Italiano permanece como língua franca da música dita clássica. A grande maioria dos libretos operísticos foram escritos em italiano. As óperas de Mozart, de Carlos Gomes, de Wagner, eram cantadas em italiano. Com a chegada de meios de reprodução mecânica da música, no limiar do século XX, outros estilos ganham em popularidade trazendo consigo as canções que fariam do século XX o “Século da Canção” (TATIT, 2008). No Brasil, a gravação de “Pelo Telefone” para o carnaval de 1917 marca a passagem do samba folclórico para o samba moderno. De perseguido pelo Estado a símbolo do mesmo, o Samba torna-se o lugar do encontro de diversas identidades. Dentre elas, não é complicado constatar o elemento italiano, sobretudo no cancioneiro de Adoniran Barbosa.
Mais adiante, no limiar dos anos sessenta, o italiano se faz presente em duas frentes: de um lado há uma tradição romântica da canção italiana que servirá de influência, por exemplo, a um lado expressivo da dicção de Jerry Adriani e de Roberto Carlos,

Roberto Carlos realizou um oportuno sincretismo do iê-iê-iê romântico, magistralmente registrado nas melodias de Paul McCartney, com as baladas italianas que inundavam as paradas de sucesso dos anos 60 nas vozes de Pepino di Capri, Bob Solo, Nico Fidenco, Pino Donagio e Sergio Endrigo entre outros         (Tatit, 2002. p. 188).

Por outro, há a tradução italiana do rock anglo-americano que facilita o caminho entre a canção popular brasileira e o rock. Como não se lembrar de “Banho de Lua”, versão de “Tintarella di luna” gravada por Celly Campelo em 1960, mesmo ano em que fora lançada na Itália por Mina. Desde então, as canções italianas, no original ou em versões, começam a tocar nas rádios brasileiras tão naturalmente que quase não são percebidas como músicas estrangeiras ou como versões de músicas italianas. Ainda hoje o brasileiro se surpreende cantando ou assobiando canções italianas que tocam nas rádios ou nas novelas, como se fossem canções nacionais. Apesar de anos e anos de dominação cultural norte-americana, a língua italiana, neolatina como o Português, ainda hoje é mais transparente ao brasileiro comum do que o Inglês, por exemplo.
A enorme quantidade de imigrantes italianos que desembarcaram no Brasil não determinou o isolamento de um grupo, hoje as famílias italianas se encontram integradas à cultura brasileira. Com os imigrantes italianos aportou no Brasil toda uma cultura que até então só os mais letrados, sobretudo leitores de Dante, Petrarca e Boccaccio, tinham algum acesso. Desde então, o elemento italiano na música brasileira é constitutivo de um todo híbrido chamado de música popular brasileira. É ilustrativo que a canção “Oh! Minas Gerais” (José Duduca de Morais e Manoel Araujo), hino extraoficial do Estado de Minas Gerais, foi composta sobre uma tradicional melodia Napolitana “Vieni sul Mar”. Antes, no entanto, a mesma melodia já havia sido utilizada por Eduardo das Neves em 1912 em uma canção que homenageia o couraçado brasileiro batizado como Minas Gerais.
A partir da constatação da presença de um tempero italiano na formação da canção brasileira e, tendo-se em vista a ausência de estudos específicos sobre o tema, faz-se necessário medir a amplitude da presença da canção italiana na canção popular brasileira para se iluminar um lado ainda pouco trabalhado dentre os estudos acerca da história do cancioneiro brasileiro.


2. Objetivos
GERAIS:

. inventariar e catalogar o mais exaustivamente possível o repertório de canções italianas que foram vertidas para o português do Brasil, o repertório de canções brasileiras que foram vertidas para o italiano e o que foram gravadas por interpretes italianos em português.
. listar canções brasileiras que apresentam, seja na letra, na temática ou em sua parte musical, algum elemento da cultura italiana.
. catalogar em uma lista canções italianas gravadas por interpretes brasileiros.
. divulgar o cancioneiro italiano entre os alunos da Faculdade de Letras.
. facilitar o contato com os Estudos da Canção, epistemologia praticamente ausente nas disciplinas de literatura da graduação.

ESPECÍFICOS:

. investigar a construção da canção popular brasileira a partir do elemento italiano.
. organizar, a partir da perspectiva da presença, uma história da canção italiana no Brasil.
. construção de um suporte digital (blog ou site) como forma de acesso hipertextual ao repertório.

3. Metodologia e Estratégias de Ação

O projeto se baseia fundamentalmente na pesquisa de natureza bibliográfica, voltada ao mapeamento da contribuição da cultura italiana, ao longo da história, na cultura do Brasil, e discográfica, para se compor um repertório de canções em trânsito entre a Itália e o Brasil.  Eventualmente, pode-se cogitar lançar métodos diversos como entrevistas com autores e produtores culturais envolvidos com o tema abordado; levantamento de projetos públicos ou não, relacionados ao tema.
O projeto demandará, como primeira ação da pesquisa, o levantamento e a catalogação mais exaustivos possível do corpus existente. Para tal a pesquisa se desenvolverá a partir de três etapas. Primeiramente se fará uma série de listas: a primeira catalogando as versões para o português do Brasil de canções italianas, a segunda de canções italianas que foram gravadas por interpretes brasileiros, poder-se-á incluir nessa lista um acréscimo de canções de compositores brasileiros compostas em italiano, e por fim uma lista de canções brasileiras que trazem consigo algum tempero ítalo, seja na letra, na temática ou em sua parte musical. Como toda ponte não serve só para vir, mas serve também para voltar, em um segundo momento da pesquisa, se fará uma lista das canções brasileiras gravadas na Itália. Por fim, as canções listadas serão lidas e divididas em eixos temáticos. A partir de então poder-se-á recontar, a partir da perspectiva da presença, uma história da canção italiana no Brasil. 



4. Resultados e os impactos esperados

Os resultados da pesquisa podem-se expressar nos seguintes produtos, cujo objetivo e difundir o conhecimento produzido e estimular a discussão a fim de aperfeiçoá-lo:

a) Aprimoramento das atividades de orientação aos pesquisadores de IC e de Pós-Graduação.
b) Publicação de artigos em periódicos acadêmicos.
c) Apresentação de painéis e de comunicações em eventos acadêmicos da área.
d) Publicação de site ou blog com o repertório constituído com a pesquisa dividido em eixos temáticos e/ou cronológicos.
  
 5.    Referências Bibliográficas


ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3ª ed. São Paulo: Vila Rica: Brasília: INL, 1972.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Glaucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998, 394 p. Título original: The Location of Culture.
CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, 459 p.
CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1993, 354 p.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Heloíza Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução da introdução Gênese Andrade. 4ª ed. 1. reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, 385 p.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. Tradução de Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 182 p.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Tradução Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. Puc Rio 2010. 206 p.

LACERDA, Marcos (org.). Música (Ensaios brasileiros contemporâneos). Rio de Janeiro: Funarte, 2016. 408 p.
NAVES, Santuza Cambraia. Canção popular no Brasil: a canção crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 159 p.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar: UFRJ, 2001, 247 p.
SANT’ANNA, Affonso Romano. Música popular e moderna poesia brasileira. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1986, 268 p.
TATIT, Luiz. O século da canção. 2ª ed.Cotia: Ateliê Editorial, 2008, 251p.
TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, 323p.
TEIXEIRA, Pedro Bustamante. Do samba à bossa nova: inventando um país. Curitiba: Editora Appris, 2015. 177 p.
TEIXEIRA, Pedro Bustamante. Transcaetano: Trilogia Cê mais Recanto. São Paulo: Fonte Editorial, 2017. 208 p.
VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. UFRJ, 1995. 196 p.
WISNIK, José Miguel. Getúlio da paixão cearense (Villa-Lobos e o Estado Novo). In: SQUEFF, Enio e WISNIK, José Miguel. Música. São Paulo: 1982, p. 129-191.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, 283 p.
WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da semana de 22. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1977, 188p.
WISNIK, José Miguel. Sem receita: ensaios e canções. São Paulo: Publifolha, 2004, 533 p.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Revista Ipotesi v.20 - Literatura e Música

Novo volume da Ipotesi ( revista do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários), inteiramente dedicado ao tema "Literatura e Música", está no ar!
Orgulho imenso de publicar neste importante periódico da área de Letras.